Ela era uma criatura muito querida e inapagável na minha memória! Chamava-se Maria Antônia, enviuvara ainda jovem e, talvez para compensar a solidão, tornara-se contadora de muitas histórias interessantes. Histórias de príncipes e princesas encantados em sapos, lobos ou serpentes, que sempre ao final de alguma contenda, ou num passe de mágica, eram reconduzidos à sua condição humana. Aliás, sobre-humana, pois eram aclamados reis e viviam eternamente. Todos os anos, ela vinha ao Pau-Seco para preparar as refeições dos trabalhadores do engenho. Na primeira metade do ano ela morava no sertão pernambucano, numa terra estorricada de uma região perdida entre Morelândia e Serrita.
Eu admirava o trabalho daquela criatura tão disposta, pois com presumíveis cinqüenta anos de idade, ela era possuidora de uma notável resistência, tão comum ao nosso sertanejo. Agüentava com muita firmeza o repuxo de uma cozinha tão movimentada. Mais de 40 trabalhadores para o café da manhã, merenda, almoço e jantar. Jornada de trabalho que se iniciava ao nascer do sol e somente era concluída lá pelas sete horas da noite. Bem antes dessa hora, já estávamos todos na cozinha esperando ansiosos que ela terminasse seu trabalho para ouvirmos suas histórias tão bonitas. Nas noites de lua cheia sentávamos na calçada recebendo a brisa suave que vinha do canavial e o odor do vinhoto lembrando o final de mais um dia de moagem. O cheiro do mel impregnava o ar e a nossa pele ficava imperceptivelmente pegajosa. As histórias pareciam não ter fim. Sempre adormecia ouvindo as epopéias imaginárias de sua narrativa e outras tantas reais de pessoas da sua terra pernambucana e de outros lugares.
Mas a principal história ela jamais contou. Soube dela há poucos dias, revelada por uma das minhas irmãs. A história da morte do marido.
Alguns anos antes, ela ainda jovem residira no Sítio Cobras, entre o Pau-Seco e a Lagoa Encantada no município do Crato. Numa ensolarada manhã, amamentava a filha mais nova, quando ouviu vozes alteradas no terreiro da casa e um grito lacerante de dor. Correu para verificar o que havia ocorrido. O marido que, se aquecia ao sol matutino, acabara de ser apunhalado pelas costas por um antigo inimigo. A sua reação foi imediata: sem se preocupar com o marido já praticamente morto, apanhou uma mão de pilão e correu atrás do assassino que caminhava logo à frente, segurando o punhal ensangüentado. Deu uma única e forte pancada na parte posterior da cabeça, tal qual ela fazia para abater bodes, porcos e carneiros. Uma pancada tão certeira, fora suficiente para vingar a morte do marido. No dia seguinte, dois defuntos colocados em redes diferentes eram carregados nos ombros de uma grande multidão em direção ao Crato. Soube que ela não foi presa. O caso fora considerado legítima defesa. Ou será que já existia a figura jurídica da violenta emoção?
Por Carlos Eduardo Esmeraldo
Eu admirava o trabalho daquela criatura tão disposta, pois com presumíveis cinqüenta anos de idade, ela era possuidora de uma notável resistência, tão comum ao nosso sertanejo. Agüentava com muita firmeza o repuxo de uma cozinha tão movimentada. Mais de 40 trabalhadores para o café da manhã, merenda, almoço e jantar. Jornada de trabalho que se iniciava ao nascer do sol e somente era concluída lá pelas sete horas da noite. Bem antes dessa hora, já estávamos todos na cozinha esperando ansiosos que ela terminasse seu trabalho para ouvirmos suas histórias tão bonitas. Nas noites de lua cheia sentávamos na calçada recebendo a brisa suave que vinha do canavial e o odor do vinhoto lembrando o final de mais um dia de moagem. O cheiro do mel impregnava o ar e a nossa pele ficava imperceptivelmente pegajosa. As histórias pareciam não ter fim. Sempre adormecia ouvindo as epopéias imaginárias de sua narrativa e outras tantas reais de pessoas da sua terra pernambucana e de outros lugares.
Mas a principal história ela jamais contou. Soube dela há poucos dias, revelada por uma das minhas irmãs. A história da morte do marido.
Alguns anos antes, ela ainda jovem residira no Sítio Cobras, entre o Pau-Seco e a Lagoa Encantada no município do Crato. Numa ensolarada manhã, amamentava a filha mais nova, quando ouviu vozes alteradas no terreiro da casa e um grito lacerante de dor. Correu para verificar o que havia ocorrido. O marido que, se aquecia ao sol matutino, acabara de ser apunhalado pelas costas por um antigo inimigo. A sua reação foi imediata: sem se preocupar com o marido já praticamente morto, apanhou uma mão de pilão e correu atrás do assassino que caminhava logo à frente, segurando o punhal ensangüentado. Deu uma única e forte pancada na parte posterior da cabeça, tal qual ela fazia para abater bodes, porcos e carneiros. Uma pancada tão certeira, fora suficiente para vingar a morte do marido. No dia seguinte, dois defuntos colocados em redes diferentes eram carregados nos ombros de uma grande multidão em direção ao Crato. Soube que ela não foi presa. O caso fora considerado legítima defesa. Ou será que já existia a figura jurídica da violenta emoção?
Por Carlos Eduardo Esmeraldo
Carlos, não conheci esta hitória de Maria Antonia. Sei que ela era muito contadora de historia. Aquela historia de "não dê rabo a nambu" foi ela referindo-se a Antonio Miguel que queria ser muito importante. Ouvia muita história de Maria Antonia de uma delas está o do Telegrama do Cincinato Sete Moreira de Alencar, o pivô da rebelião de Exu em 1949. Ele passou um telegrama para um hotel na Capital apartamento para Sete e Astrês nome de uma de suas filhas, chegando lá encontrando sete cômodos e mais três para mulheres. Parabens pela crônica.
ResponderExcluirOlá Pedrinho
ResponderExcluirParabéns pelo seu blog. Divulgue e convide outras pessoas para postar nele.
Quer dizer que você não sabia que Maria Antônia vingou a morte do marido?